Amalia Giacomini | Linha, peso mínimo | 02 Out - 04 Dez
Pesar e pousar
Pesar e pousar. Estas foram as primeiras palavras encadeadas que me deram um fio expressivo, as primeiras ideias que encontrei para esboçar uma escrita em diálogo com os trabalhos apresentados nesta exposição por Amalia Giacomini.
Primeiro, sentir o peso das coisas, do mundo, das forças, do excesso de tanto. Sentir que algo se desloca aos poucos, que aquilo que pesa como fardo, fica fora deste vazio pleno proporcionado por essas formas flutuantes, esses desenhos em curvas, feitos entre as paredes e o teto da galeria. Depois, mirar o tênue traço e poder, finalmente, observar algo em sua singela forma oscilante: uma linha que pesa em leveza. Correntes que decidem flutuar e, ao mesmo tempo, marcar a física dos seus pesos. Amalia, porém, nos propõe um aviso quase como enigma: o peso, é mínimo. O metal se alimenta de uma suspensão e sustenta esse peso mínimo que não nos afunda no espaço. Uma medida em que, de forma paradoxal, aquilo que pesa deixa tudo mais leve ao redor.
Depois, pousar o olhar, re-pousar, isto é, poder novamente dar pouso ao que hoje nos exigem em demasia. Estamos vendo demais, afogados em imagens, em excessos de figuras, em transes de conteúdos que demandam exaustivamente nossa atenção. Aqui, ao contrário, esvaziamos o cansaço informativo em prol de um silêncio eloquente. Aqui, o que se propõe é uma outra política. Pousar para, finalmente, ver. Limpar o campo e a percepção, ter espaço para circular, olhar cada obra de diferentes ângulos. Lembrar que, na arte, a política não está apenas no que a obra diz, mas também naquilo que ela faz com as nossas percepções do mundo. O que vemos nos trabalhos de Amalia é um convite para pousarmos em movimento nossas fatigadas retinas. Porque há um silêncio necessário, há um engajamento entre o delicado e o bruto, há uma espécie de murmúrio metálico.
Ao conversar com Amalia sobre sua trajetória e suas ideias, sobre os temas mais fundos que percorrem seus gestos criativos, ela lembra que um de seus motores é a investigação permanente entre o espaço tangível e o espaço representado. Ou melhor, entre o espaço que percebemos e o espaço que imaginamos. A geometria oscilando entre a ideia abstrata e a presença da forma. Linhas orgânicas que ativam os espaços que atravessam. A linha oscila, a linha delira, a linha esgarça, a linha derrete. Foi assim, vendo grids elásticos penderem por acidente da moldura, que as curvas, desenhadas com pequenas correntes de alumínio, nasceram. Dito de outra forma, o que Amalia enxergou no desarranjo do plano (o grid) foi o nascimento de uma linha que perde sua estabilidade e permite o surgimento de outras linhas transformando o espaço. Um acidente é sempre o nascimento de algo novo, uma nova forma de vida, uma nova linha pedindo para existir.
Assim, entre o silêncio da gravidade e a eloquência do vazio, Amalia nos coloca em um cenário cada vez mais raro: aqui, somos apenas nós e essas linhas suspensas – nada mais. Uma espécie de ética pessoal é requerida, porque nos vemos livres para produzir uma relação com o ambiente criado. Essa liberdade do olhar – novamente, a possibilidade rara de pousar a vista nas coisas – transforma as correntes, suspensas entre delicados e torcidos vergalhões, em emaranhados gráficos. Enquanto circulamos pelo espaço, eis aí, nós mesmos desenhamos as formas no ar. A escultura, arrisco dizer, é feita dentro da vista de cada um. Ela nos instaura um jogo entre frente e fundo, somos instados a escolher de onde queremos ver, a circular, a nos mover. Se Drummond se dizia o fazendeiro do ar, Amalia nos convida a sermos desenhistas do ar. Pois a cada ângulo em que olhamos para suas esculturas, vemos novos traçados – bidimensionais, tridimensionais, volumosos, chapados. Por ter peso mínimo, flutuamos juntos dessa leveza, caminhamos na linha orgânica, ora dentro, ora fora, ora dentro e fora do espaço.
Hoje em dia, algumas exposições são prosa, romance, excesso de personagens, poemas épicos, vozes narrativas que se atravessam em línguas sedentas de assuntos. Outras, como esta, são breves poemas de versos que parecem livres, mas contem em si uma engenhosa matemática das formas. Cada corrente se torna linha, cada linha se torna traço de uma curva improvável, sustentada pelo próprio peso. Fixa, porém livre, livre, porque fixa. A delicadeza contrastando com os materiais atestam a negociação que a artista precisa executar com essas linhas. Novamente, há um grid instável, desenhado apenas nos olhos de quem se relaciona com os trabalhos de forma detida – como um poema de sete faces, como um bicho-pássaro de múltiplas dobras imaginárias.
Ao despir a exposição de tudo que não seja esse movimento de linhas no ar, Amalia nos permite, também, esvaziarmos nosso excesso de atenção vazia. Com gesto mínimo – e minimalista – ela nos apresenta a vastidão de um espaço. E não falo do espaço físico da galeria, mas sim do espaço infinito das nossas percepções sobre o mundo e a arte. Não confundir uma política do mínimo com um silêncio que recusa o barulho do mundo. Pelo contrário. É justamente na relação entre o que se coloca em tensão com a gravidade e o que se arrisca a dizer pouco que se situa a abertura e o convite para que o você faça seu desenho.
Como um último elo das palavras possíveis para falarmos desta exposição, uma pergunta fica ressoando no ar (afinal, toda pergunta é movimento): qual o peso real que estamos dando para as coisas na vida? Sem oferecer respostas, Amalia nos sugere um caminho poético e poderoso: perceber a medida mínima da gravidade que nos aterra é, também, perceber a leveza máxima do ar que nos suspende.
Fred Coelho
SERVIÇO
Exposição de arte contemporânea
Título: Linha, peso mínimo
Artista: Amalia Giacomini
Local: Maneco Müller : Multiplo
Abertura: 02 de outubro (quinta-feira), das 18h às 21h
Período expositivo: até 04 de dezembro de 2025
Horário: de segunda a sexta, das 10h às 18h30 e sábados das 10h às 14h
Endereço: Rua Dias Ferreira, 417/206 - Leblon – Rio de Janeiro
Telefones: + 55 21 2294 8284 | +55 21 20420523 (WhatsApp)
Entrada franca
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